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domingo, 29 de agosto de 2010

a parilha

1994. Cinco anos depois da queda do Muro, a Rússia ensaia os primeiros passos no capitalismo. Dois mujiques, Fiodorenko e Pavlovich, deixaram de ser pequenos produtores rurais e tornaram-se proprietários, também pequenos.

Fiodorenko e Pavlovich eram vizinhos na aldeia de Tula, vizinha de Tobolsk, e nada possuíam, exceto uma vaca, o primeiro, e um boi, o segundo. Resolveram cruzar a vaca com boi e aumentar o rebanho.

Nascido o bezerro, a dificuldade: a quem pertence? Cheios de canjibrinas, tinguás e caipiroscas no cachaço, os dois mujiques vão às vias de fato, muito embora de fato não consigam muito estragar um ao outro devido ao pileque.

Levados à delegacia, falam ao mesmo tempo, um a argumentar que o bezerro pertence á vaca, o outro a resmonear que o boi é que tinha fidalguia e pedigree. Pavlovich tenta então uma explicação canhestra:

― Imagine o senhor delegado que eu sou o boi, e o senhor, a vaca. Lhe cubro como os bois fazem com as vacas, e nasce um bezerro. De quem é o bezerro?

Irritado com a vexatória comparação, o delegado responde furioso:

― É da puta que te pariu!

Diante da resposta, Pavlovich vira-se com ar superior para Fiodorenko:

― Conheceu papudo?, se é da minha mãe, é como se fosse meu!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Ontem fui à Bienal do Livro

Juro não consegui sabotar
Eram tantos livros bonitos e belos
Tinha Monteiro Lispector
Tinha tinha Clarice Lobato
Também tinha Jorge Coelho
E quem diria Paulo Amado

Havia as moças bonitas e exigentes...
Seriam também inteligentes?
Ora deixa pra lá, não sabia
Eu o que pensavam!
Tinham sim bonitas coxas
E lindos peitinhos

"Gente" eu vi e senti
Tanto livro e eu sem grana
Quase quase me espanto!
Tudo era muito bom
E isto me causava "gana"
Depois eu vos "conto"

Só sei que não dei bobeira
À meia-luz, ao meio-dia
Valia quase tudfo
Era Book digital
Que até sonhei Melodia
Êta cultura banal;
Muito Muito cuidado
com o anal...

Libni Gerson
22/08/10

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

ORDÁLIO

na verdade o poema me dói
quando vem
lacerando dentro
& fora

nascido de muitíssimas mães
navegando
por uma escura casa
de um canto
ainda mais obscuro
uma certa época
em que fui profundamente
infeliz

às vezes
um abandono doloroso
ou
um peso insuportável
mas a cada vez
e sempre:
um exorcismo

querer escapar
do mundo
é traduzi
lo

na verdade o poema vem
de um lugar sujo
& virgem
da minha
alma

um outro eu
mau
de uma violência grandiosa
demoníaca

cravando
os dentes na vida
e quando ele começa a falar
nos diz que foi
enjeitado

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ressurreição

Sim, houve um tempo em que uma mulher podia se chamar Odete ― e isto sem prejuízo da sua vida amorosa e sem bullying na escola ―; havia, como hoje ainda há, embora menos, aquela mania de usar a mesma letra para dar nome a todos os filhos. Outros tempos, outros costumes. E também a quantidade de filhos era outra, por exemplo, Dna. Odete, católica apostólica e romana, moradora da Vila Maria, eleitora do Adhemar, do Jânio, do Maluf, do Cunha Bueno e do Collor, era a terceira de cinco irmãos: Oldemário, Olinda, Odete, Onésimo e Onilda. Ninguém merece.

Dna. Nicinha, mãe de Dna. Odete, nasceu, viveu, casou, teve seus cinco filhos em casa e findou seus dias sem nunca ter saído de Brumadinho. Mesmo antes de enviuvar, Dna. Nicinha já criava uma gataria numerosa no pied-à-terre onde passou toda a sua vida de casada. Olinda e Onésimo, que moravam com a mãe, decidiram livrar-se do gatil depois que Deus a levou em Seus braços. Dna. Odete ficou com o Tareco, um macho cinza-almiscarado, caçador e benquisto entre as bichanas da região. Devidamente capado, tratado e gorducho, Tareco se adaptou à maravilha ao ritmo paulistano.

O mundo gira e a Lusitana roda, passam-se os anos e Dna. Odete volta a Brumadinho com o Tareco na gaiolinha. Despachado por avião, assim como a dona, lá se vão eles para um reencontro familiar; a viagem não é curta: avião até Belo Horizonte e ônibus ou van por mais cento e tal quilômetros de uma estradinha nervosa. Ao desembarcar as bagagens, um funcionário do Aeroporto da Pampulha se apercebe da tragédia: o gato está morto dentro da gaiola. Pânico no setor de cargas, chamam a supervisora da companhia aérea que constata o óbvio e se instala o impasse.

Alguém se lembra do Odilon, o encarregado dos depósitos, que, como ele mesmo se auto-define, é o “fazedor de zero a tudo”; o encarregado tinha fama de criar uns gatos na região dos hangares. Odilon traz um gato igualzinho ao falecido felino pelo cangote, o bicho a arranhar, rebusnar e regougar como um louco, e o enfia na gaiola. Problema resolvido. A supervisora retorna para o balcão da companhia a tempo de assistir a Dna. Odete desmaiar na esteira das bagagens. Mais corre-corre, a rechonchuda senhora é levada às pressas para a enfermaria do aeroporto.

Durante o vôo Dna. Odete sonhara que encontrava a mãe no jardim da casa em Brumadinho; chamava-a, mas ela não lhe dava atenção, continuava a cuidar dos gatos. Um deles, o Tareco, levanta o focinho do pires e lhe... sorri! Meio litro de soro e um eletrocardiograma depois, Dna. Odete, omitindo esta parte, conseguiu explicar entre lágrimas:

― Virgem Santíssima, que susto, de repente, tava lá o Tareco vivo! Ele tinha morrido e eu ia levar para enterrar o bichinho na casa de minha mãe, como prometi a ela no leito de morte... No vôo sonhei com ele e aí eu olho, e ele tá vivinho da silva, pelas alminhas, alguém me explique?...

Dna. Nicinha se preocupava muito com o futuro dos seus bichos de estimação. Apesar de idosa e doente, percebia a jiriza renhida de Olinda contra eles, assim que tratou pessoalmente da adoção de cada um, instruindo até sobre os cuidados póstumos. Um milagre acontecera, a notícia se espalhou pelo saguão do aeroporto. Malandro é o gato: como lucro da romaria que se formou em frente à enfermaria, o gatarrão do Odilon se entupiu com a ração que uma alma caridosa lhe trouxe.