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sábado, 31 de julho de 2010

o homem que atrasava

― “... no inverno de 1913, dois meses depois de conhecê-lo, Anna vai procurar Aleksandr em sua casa...” ― Luna repassava com ele capítulos inteiros da sua tese de doutoramento em letras russas.

― Essa mulher está de xale negro em todas as fotos ― Bartô queria era dizer que aquela poeta transformara a vida sexual deles numa prosa insípida.

― Mas também... ela foi proibida pelo pai de usar o sobrenome dele, teve o primeiro marido fuzilado pela Revolução, o terceiro morto num campo de concentração, o filho preso...

― “Não sou tão terrível que ingenuamente possa matar; e nem tão ingênua...” ― as coisas lhe corriam bem na corretora, moravam numa cobertura, mas a mulher não saía do computador nos últimos meses.

― “... que não saiba como a vida é terrível”, você já decorou... ― andava preocupada com os atrasos dele, sentia a culpa aguilhoá-la a cada vez que o via levar o jantar esquentado no microondas para a sala de TV sozinho.

***

― “Quem se encontrou com quem, quando e por quê” ― toda vestida e pintada, o chinelo de feltro.

― “...quem morreu e quem sobreviveu e quem é o autor, quem o herói” ― Bartô não conseguia ver mais nada; aquele corpo de bem mais de uma centena de quilos revelou uma nesga de coxa branquicenta, fios de veias azuladas desciam para a panturrilha.

― “... e que necessidade temos, hoje, desse discurso sobre um poeta” ― arrepanhou o tutu da saia como se fosse dar um passo de dança. Desde que ficou claro que além do sexo não tinham outro assunto, falavam assim, recitando.

― “... e um enxame de fantasmas?” ― desolado, deixou-se cair no sofá. Dois meses depois de a ajudar a carregar as compras na garagem, tinha ido ao apartamento dela para tomar o café prometido. O café pelava de tão quente.

― “Ninguém bate à minha porta, o Silêncio mantém silêncio” ― preparou dois drinques e os trouxe para mesinha de centro. Notou que ele ainda não relaxara.

― “... e o espelho sonha apenas com o espelho” ― ela sentou ao seu lado. Sentia-lhe o perfume cálido das carnes graxudas, a massa de ser o envolvia com o balanço nutrido dos seus fluxos e refluxos incontidos. Já na primeira vez que foi lá se atracaram.

― “Hoje, tenho muito o que fazer: devo matar a memória até o fim” ― foi até o quarto, voltou só com o roupão entreaberto deixando adivinhar a lingerie vermelha. Havia pouco tempo, ele logo teria de ir para casa, no bloco B do mesmo condomínio. Não sabiam o nome um do outro.

― “Minha alma vai ter de virar pedra, terei de reaprender a viver” ― saía mais cedo do escritório para trepar com a sua vênus esteatopígia no final de tarde. Quando ela lhe pediu que conversassem sobre alguma coisa, ele só conseguiu repetir os versos da outra. Anna Akhmátova lhe devolvia assim o corpo roubado. Bebeu de uma talagada.

― “Mas um sonho é também algo de real” ― caminhou na direção do quarto, parou recostada ao batente ocupando toda a porta. Soltou os cabelos presos a um lenço de seda. Agarrou-a por trás, falto de a poder abarcar por inteiro. Ela rinchava rouca égua selvagem, sucuri lesa no banhado.

― “O mistério de um não-encontro tem desolados triunfos” ― deu-lhe beijos melados, mordiscou-lhe a saboneteira, a barbela e os três queixos, titilou a orelha miúda, lambe-lambendo os bicos das mamas suntuosas enquanto arrancava o paletó e os sapatos aos tropicões.

― “Frases não ditas, palavras mudas, olhares silenciados” ― a calcinha apertada ela deslizou sobre as coxas rubicundas; o chorume orgânico do seu unto de foca se misturava a ele, que se debatia agoniado embaixo dela na cama queen size.

― “Tu me inventaste, não há um ser assim e nem poderia um ser assim haver” ― o empuxo da matéria pingue o arrastava para as profundezas de um pesadelo gozoso; delirava ao léu por mares de delícias gelatinosas, seu pau e sua alma sugados pelo úbere da mãe d’água suspirosa e gordã.

― “E a tudo isso chamaremos de amor imortal” ― ela sempre soube que ele voltaria para a mulher, não se enganava, mas ainda queria acreditar que se encontrariam num futuro inacreditável quando as forças do mundo se esgotarem.

***

― Meu bem, tenho uma notícia maravilhosa: marcaram a data da defesa! ― Luna viu quando o rosto dele faiscou de desejo, ficou encabulada com olhar que a percorreu de cima a baixo. Tinha engordado nos últimos meses.

a vida depois

Qualquer tragédia que nos atinge tem efeitos imediatos e duradouros; morrer, em certo sentido, é sempre traumático, já que o mais difícil não é sair da vida, mas aprender a morrer. Pode até parecer um truísmo, uma tirada acaciana, maiormente no meu caso, que tive a bênção da chamada boa morte: depois de 83 bem vividos anos, morri como nasci, balançando na rede. Sim, sou um defunto-autor, ou um autor-defunto, se preferirem; antigamente, só os gênios, os gatos, os loucos e os médiuns davam voz e vez aos desencarnados, hoje em dia, com a computação quântica, tudo é possível, até fazer o nada agir sobre um circuito integrado. São os mistérios corriqueiros da informática.

Não dêem ouvidos a essa peta de “narrador inconfiável”, a passagem de plano despe a alma de certas mumunhas que tanto atravancam vocês, que estão aí. Por exemplo, não vou lhes esconder o destino que, cedo ou tarde, nos unirá: assistir da primeira fila o esbulho da família no pós-óbito imediato; minhas filhas tiveram de azeitar com moeda sonante os gonzos da máquina funerária a cada vez que ela se moveu na opereta bufa que foi o meu sepultamento. Morrer não é fácil, mas se aprende, viver é que é uma aventura sem garantias. Sinto muito se ofender crença ou teoria de quem leia estas mal acabadas linhas, mas aqui se trata de uma tanatografia, portanto, nada de dourar as infâmias com a tinta da melancolia, nem de esboçar as baixezas com a pena da galhofa, vou, isto sim, escarificar as cascas de cebola do vivido em primeiríssima pessoa.

Fiz carreira vitoriosa como promotor e atingi a Procuradoria de Justiça, embora tenha me faltado munição para chegar a desembargador; só agora, no entanto, me dei conta da enorme disparidade de status legal entre o nascer e o morrer. Neste belo e pujante país, nasce-se privadamente (se meios os genitores houverem), mas só se morre nos braços descuidados da coisa pública. Cometi a molesta indelicadeza de morrer de madrugada, o que complicou bem certos passos, como obter atestado de óbito do médico tratante e garantir que o rabecão da prefeitura viesse retirar meu presuntivo corpo a tempo e horas de um condigno velório. O médico, amigo de uma das minhas filhas, deixou o atestado na portaria do prédio; já o translado do corpo precisou de um “cafezinho” para agilizar. Nessa, foram logo milão.

A outra filha, como a mais velha fruto do primeiro casamento, foi avisando a família por telefone, enquanto o meu caçula enchia a cara no primeiro boteco que encontrou aberto. Esse menino me preocupa. Sabe aquele negócio de maquiar, enfiar algodão na napa e orelhas, passar baton, vestir o morto?, pois bem: é à parte. O motorista do carro fúnebre ligou, chegaram até rápido; foi sorte, estavam por perto. Sempre em espécie, mais quinhentão. Ao desmaterializar, ganha-se o singular poder de ouvir os pensamentos dos outros, os vivos, de modo que acompanhei a azeda discussão externa e interna sobre a decoração do velório e a escolha do féretro. Minhas filhas pagaram tudo (com os estafermos dos meus genros dando pulinhos), regateando aqui, hesitando acolá, premidas entre os ambíguos sentimentos em relação a mim e o medo de passar vergonha diante da parentada.

Quem não tem dinheiro, ou vontade de gastá-lo com o finado, pode requisitar gratuitamente do poder público uma urna popular, chamada eufemisticamente de modelo standard ― confeccionada num horrendo compensado de madeira e provida de 2 alças que nunca devem ser usadas como tal. É um interessante exemplo de parceria público-privada a atuação das agências funerárias conveniadas aos cemitérios: entre coroas (de flores naturais e artificiais), sala de flores completa, lacre ecológico, paramentos (conforme a religião), véus, velas ¾ e a taxa de sepultamento, mais (para as meninas, menos) três milhetas e meia.

O terno sextavado de madeira que me coube foi um modelo “luxo”, logo acima do standard, mas abaixo do super luxo e distante anos-luz do alto padrão. Este último sim, um objeto de desejo para os ectoplasmas: urna italiana, 6 alças douradas tipo varão, forração acolchoada na caixa e no tampo, travesseiro, babados e sobrebabados em renda, acabamento externo em verniz de alto brilho, opção com e sem Cristo dourado no tampo trabalhado em alto relevo, e visor amplo. O visor, de grande utilidade, permite aquele derradeiro beijo a caminho da cova, sem o incômodo do contato com a carne fria. Vocês talvez nos censurem tais veleidades, mas o fato é que todos dão sua bocada; as coroas e arranjos exibiam secas strelízias, girassóis liofilizados e murchas orquídeas, tangos e gipsofilas. Pétalas de rosas e lírios que deveriam cingir minha rígida figura foram substituídas por popularescos crisântemos; minha mulher, que entende de flores, percebeu e, pudicamente, engoliu mais essa, que havia consumido duzentinhos extra.

A magistratura arraigou em mim o conceito da justiça; embora as pessoas não gostem de ouvir, o certo e o errado existem, assim como existem aqueles a quem compete guiar e exemplar a comunidade. Que estes últimos estejam nas classes superiores e tenham que ser ajudados na tarefa de educar a multidão, causa espécie aos hipócritas. Na única vez em que inverti este proceder, na criação dos filhos, fui muito mal compreendido por minhas filhas, Morgana, a médica, e Cordélia, advogada. O certo é que nunca perdoaram o ter me casado apenas um ano depois de perder a mãe delas para o câncer ― de estômago, como mamãe. Naquela época, eu e meus irmãos fomos distribuídos entre tios e avós; a minha sorte foi tia Mirtes, professora de inglês em Visconde do Rio Branco, ter me dado casa e estudo. Só um irmão veio de Minas para o meu enterro, o pobre veio de ônibus, o que atrasou a bênção final. Quatrocentas razões convenceram padre e coveiro a esperar.

Protegi demais a meu filho, mas porque ele era o mais frágil, o menos preparado para a vida; não agüenta pressão, coitado, voltou a beber agora que se separou, e isto depois da pancreatite que quase o arrebenta de vez. Papai também se acabou na bebida; muitas vezes fico me perguntando se os genes não brincam com nossos destinos. Tudo se repete, tudo volta. Meus últimos anos foram como os primeiros, de muita necessidade e apertura. Estava há dez anos no casarão da Barra Funda, herança da família de Creuza, morando junto com a irmã dela e à espera de sair o inventário de um terreno na Avenida Brasil que poderia nos tirar a todos do cortado. Enquanto tive bens para torrar com ele, Benjamin era papai pra cá, papai pra lá; desde que aquela argentária da mulher e a golpista da filha o jogaram na casa dos velhos, ele logo transferiu os dengos para a mãe. Nem palavra mais me dirigia.

Do lado de cá, as coisas são desorganizadas por demais. Não sei bem como lhes explicar isso, mas acontece que o além-túmulo não tem, assim, como dizer?... uma forma! No éter tudo está a trouxe-mouxe, como que jogado, não há administração, chefia, pessoal encarregado, etc.; é impossível distinguir ordem ou hierarquia, direitos e deveres inexistem, vige uma anarquia meio com cara de abandono. Confesso que esperava receber instruções de Deus, anjo ou demônio, quem sabe um uniforme, sei lá, até mesmo um julgamento serviria. Nada de nada. Espíritos nem bons nem ruins vagam a esmo neste lugar, que não é propriamente um lugar, e se resignam a uma duração que não guarda semelhança com o bom e velho tempo. No começo é angustiante, depois passa, aliás, essa é a única regra fixa por estas bandas: tudo passa. Encontrar familiares, amigos ou mortos ilustres? Só por um grande acaso, que também não ocorreu a qualquer dos meus novos “vizinhos”. Queria tanto encontrar mamãe e tia Mirtes...

Minha neta, filha do Benjamin, se casou há 3 anos e não fui convidado. Acusei o golpe, decaí; o diagnóstico: demência de Lewy. Exames mostraram o meu cérebro coalhado de bolinhas de proteína enovelada, restos dos meus destroçados neurônios. Comecei a variar da cabeça, a falar sozinho; mamãe me aparecia todos os dias. Já não conseguia andar; a prótese de quadril, resultado de um atropelamento criminoso que sofri, desgastara. Ouvi o médico, naquele jargão frio deles, dizer a Morgana na minha frente que já não valia a pena operar. A velha carcaça não pagava mais pule de dez. Como promotor sempre obtive a condenação daqueles que a grita pública exigiu; não sei porquê, ultimamente via nas paredes o rosto de um mendigo atropelado pelo filho de um empresário, rapaz este que alcancei inocentar. Ajudei o amigo, perdi a desembargadura.

Viver vicia. Os mortos só se ocupam do que fazem os vivos, os seus vivos, aqueles que de alguma forma lembram deles ― a mesquinha intriga familiar é o único jogo que motiva os que aqui estão. Porque morrer é entrar no Aleph, o ponto de onde se observam simultaneamente todos os lugares, coisas e pessoas do mundo. Com a nada desprezível vantagem de se enxergar dentro. Porém, com a maior TV a cabo do universo ao dispor, as avantesmas só assistimos ao mesmo triste programa de auditório mundo-cão de antes: a nossa minúscula vidinha. Os fantasmas vão desvanecendo progressivamente, entram numa letargia intermitente; cada vez que alguém ainda chora por ele, lembra dele, com amor ou raiva, toda vez que um neto pergunta quem é aquele da foto, ou do filme caseiro, toda homenagem ou reza em dia de finados, cada pesquisa no Google, produz um evanescente despertar. Ser esquecido é a morte dos mortos.

Sinto uma falta tremenda da Dita, minha cachorrinha; hoje, ela é a única que ainda pensa em mim sem uma ponta de ódio. Cordélia está triste, ainda não sabe que uma melancolia vai cavar um buraco no seu coração durante um ano, mas ela e a irmã vão superar; Creuza também, tem bons sentimentos, a coitadinha. “Colegas” me garantem que a melhor política é o desapego, que não há melhor remédio para o nada vindouro; mas não adianta, quem é senhor de domar o seu próprio eu? Este o busílis: o EU é a criatura de apetite mais voraz que pusemos dentro de nós, exorcizá-lo é que são elas. Funciona como Jesus Cristo: começa dizendo que é irmão, igual a todos nós, depois fala que é Filho de Deus, e acaba por se alçar ao triunvirato com o Pai e a pombinha. Largar de mão desse judeu argentino ― sim, Jesus era argentino, mas é uma história longa demais para começar a contar agora ― que mora dentro de nós é a verdadeira salvação. As almas não são penadas, apenas vão ficando alien(adas).

Deixei uma bomba no meu testamento, mas os meus parentes ainda não sabem. O importante é que fui velado na sala com vista para o vale do Pacaembu do Cemitério do Araçá. Rara naquele inverno chuvoso, uma tarde quente marcou a minha despedida; o pôr do sol banhou a cerimônia de adeus numa luz apaziguadora. Saí dos cafundós de Minas Gerais e venci em São Paulo; meus ossos jazem num belo mausoléu de um dos mais tradicionais campos santos da capital. Estou enterrado no topo da cidade. Meu filho veio, mas não chegou perto da campa. Com o que vi no seu coração posso contar; enquanto ele viver, estarei acordado.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

já estão entre nós as crianças com 3 cadeias de DNA

e se sesse
que fosse

pode não ter havido
um só Big
Bang

miríades de milhões

imensas cloacas
vomitando/devorando
mundos

misturando pedaços
colando com
cuspe

até porque não se educa crianças
índigo
sem um quê

de insanidade

domingo, 25 de julho de 2010

a imprensa deve usar burca?

acostumou a nega na vida
luxenta
agora agüenta!

sou uma velha louca
casa
muquinfo habitado por algaravias
vozes
em guerra desconcertada
demolição

mas como despir o hijab, niqab, shador
sem o qual
a verdade não é dizível?

por que cobrir as mulheres
mistério e magia
de zoe que todos devem
parir?

é fundamental bouleversar
o mundo
a razão nos in
completa

você chama
eu acendo

sábado, 24 de julho de 2010

Cinema ultrarealista

Ao reunir-me com o grupo de cinema na casa das rosas, senti um estranho estranhamento. Durante a conversa observei atentamente o Serjão, com suas inserções a respeito de sua própria vida, o cara é muito estranho, primeiro começa a dizer que falta dinheiro, mas esquece que é rico sem precisar de estudos "superiores", pois quantos na cidade em plena sexta-feira no período da tarde podem conversar sobre cinema, "marxismo", e outras ". Meu Deus! de onde surgiu essa gata!? Que corpo singelo, pequenininha, gostosinha e melhor sem aliança nas mãos! Se ela tiver namorado quero conhecer o sortudo e ter o prazer de colocar um chifre na cabeça dele. Que olhos lindos de ressaca( vale deixar bem claro aqui que ao vê-la lembrei-me da descrição de machado de assis, sobre Capitu, com seus olhos cansados de quem dorme pouco), aliás o mundo é muito engraçado mesmo, eu não consigo deixar de pensar a vida como um filme n-dimensional onde a experiência humana é regulada através da tríade Simbólico-Real-Imaginário, com sobreposições de uns nos outros mediados pelo corpo imerso em uma realidade sempre incompleta(castrada), onde o pensamento tenta preencher a lacuna deixada pela incompletude da realidade.Daí chego a conclusão que a realidade é um vir a- ser no tempo, não um ser fechado em si mesmo,pois se a realidade fosse fechada em-si, ela seria um nada absoluto.Mas como o nada absoluto precisa ser negado, ou seja, nadificado pela própria experiência do pensamento para o ser poder" enxergar" a realidade que não existe em- si, mas para- si. Essa lacuna do em-si e para-si é mediada pela própria mediação, prova de nossa existência material.
Voltando ao incômodo amor que sentimos ao amor outro ser. Quando amamos alguém ao ponto de sentir uma paixão, podemos ou devemos casar para assim fazer com que a paixão incômoda se tranforme em amor, coisa rotineira ou trivial. Mas se mesmo assim a paixão não acabar resta-nos as relações extra-conjugais que de certa forma protege-nos contra os excessos das paixões.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

a vida como ela é...

como já dizia o Nenê Berola, amigo das antigas
“o cão que morde, esquece
o cão mordido, não esquece nunca”

esta é uma lenda de priscas eras, do tempo em que as diligências
sacolejavam na poeira do Velho Oeste
os animais falavam
e os dinossauros ainda se arrastavam sobre a face da Terra

férias escolares, andava aí pelos dezessete, dezoito certamente
que não, pois ainda não votava, mas nessa época ninguém votava
só que essa é outra história; vai que fui pra Bahia
na boleia de caminhão

a namorada não quis, ou não pode, ou havia um programa
na família; resultado: não foi comigo
escalei o amigo Tonho Brown, outro das antigas

bicho (como se dizia naquele então), eu tava amarradão
a brota era papo firme, cabeça feita; olhava, sentia e pensava
o mundo como eu

me explico: não quero dizer que ela pensava igual
a mim, mas que tinha sacadas próprias, originais, não tinha
aquela velha opinião formada sobre tudo

ah, Morro de São Paulo, casa de pescador, banho de latão
praia de manhã, PF uma vez por dia e forró à noite até o dia
clarear ― mamão com açúcar

Tonho ficou injuriado comigo nos rasta-pés: mulherio
chegando junto e eu só saindo de lado, jogando na retranca
cobrindo a zaga, afinal, tava paradão na mina

“Escuta, se é pra você ficar aí de vacilão, vou te contar...”
e por aí ele foi: arrodeou, pigarreou, enrolou, mas desembuchou
que tal e cousa e lousa e maripousa ― tinha furunfado com a mina

a minha mina! e o pior é que não foi vez
foram vezes! daí só deu Maysa na vitrola do coração
meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar...

saí da função cuspindo infâmias, que ele não era amigo
coisa nenhuma, um traíra, duas-caras, pústula!
(essa eu tinha acabado de aprender num folheto)

a viagem tinha acabado, saí do recinto pisando duro
degustando o fel da crocodilagem, ruminando o veneno da perfídia
rumo do barraco do pescador, Gonçalo, baiano sangue-bom

encontrei o Gonça num boteco e despejei-lhe minh’alma
ferida de Otelo paspalhão;
arreganhando os belos dentes de imaculado branco

Gonçalo me conta a saga de seu último infortúnio
a burguesinha veio, se hospedou na sua humilde
cabana e dividiram cama, mesa e sonhos

jurou-lhe eterno amor, despediu-se em lágrimas, suplicou
que viesse para o Sul Maravilha, dormiria na edícula
da casa dos pais, até arranjar situação

“pois é, meu rei, não teve mole pra mim, não
fui parar num cortiço em Sampa e, do sanduíche
de mortadela, só vi foi o dormido pão”

a gata já tinha se ligado em outro, burguesinho como ela
Damares fez dele gato-sapato, jogou ele abaixo de cão
“pe-pe-peraí Gonçalo, Damares?, mas, mas...”

você já adivinhou?, que ela era ela e o outro era eu?
Gonçalo se virou para o dono do estabelecimento
“Josafá, bote aí uma dose de amansa corno pra nós
mas capriche, que o caso é grave!”

Tonho se juntou a nós e daí não lembro mais nada
só que terminamos a noite encachaçados até à alma
no único orelhão da ilha, berrando para o pai dela
“por favor acorde ela, é caso de vida ou morte”

“você quer me explicar que palhaçada é essa?”
“Damares, não fica brava, nós só te ligamos
pra dizer que a gente te ama pra caraaaalhoooo!”

é o que eu sempre digo:
enquanto não der o sinal,
ainda é recreio

sábado, 17 de julho de 2010

O Jogo da Gata-Parida

Mesmo com a razoável habilidade para desenhar que sempre tive, não consegui acrescentar nada à descrição que consta no boletim de ocorrência: branco, altura média, olhos e cabelos castanhos, nenhum sinal característico. Mais inexplicável é o que aconteceu com o rosto desse sujeito que ficou quase uma hora comigo: por mais que me esforce, não lembro de nenhum traço, ao mesmo tempo em que não consigo esquecê-lo. Sonho com uma face sem marcas, a testa normal, sem sobrancelhas grossas demais, nem um nariz torto, ou um queixo menor do que deveria; freqüentemente me aparece uma máscara de olhos vazados como nos filmes do homem invisível ― e acordo molhado de suor frio, o coração alvoroçado, ainda ouvindo aquela voz que também não me sai da cabeça.

Passados seis meses, meus agressores ainda me visitam todas as noites. É um mistério, um quebra-cabeças que não atinjo resolver ― não lembrar e também não conseguir esquecer. Vá entender essas coisas.

Fazia dois anos que o meu nome integrava a lista de profissionais fixos da Dental Care, clínica de clareamento dentário para chiques, abonados e famosos. A clientela VIP, as constantes aparições na mídia, as diversas unidades franqueadas, o instituto beneficente para crianças que os sócios divulgam no país todo, enfim, tudo isso fez e faz da DC a meca dos odonto-cosmetologistas. De fato, há um tanto de maldade e outro tanto de verdade nessa denominação, os produtos clareadores corroem essa camada mais externa que é o esmalte; quer dizer, procuro não pensar que estou prejudicando a saúde futura da dentição dos meus clientes, mas que os estou ajudando na questão da imagem e da baixa auto-estima. Além do quê, dei um duro danado para fazer parte de uma estrutura sólida e altamente profissional ― e isso ninguém diz.

Sexta pré-feriado, final de tarde, dispensamos as secretárias mais cedo porque havia um congestionamento-monstro na cidade devido ao Tiradentes que caía na segunda. Só restavam três profissionais e um cliente na clínica; eu mesmo já não estava atendendo e fazia uns telefonemas de acerto de agenda para a semana seguinte. A minha colega me chamou pelo ramal interno à sala dela, achei que ela ia me consultar sobre alguma retração gengival no cliente que estava em atendimento ou algo assim; não podia estar mais distraído quando entrei no conjugado vizinho e dei de cara com dois sujeitos de pé, um deles me apontou imediatamente a arma e anunciou o assalto, enquanto o outro remexia as gavetas e a minha colega, completamente aparvalhada, jazia sentada na própria cadeira de trabalho.

Resumindo: eram quatro bandidos, enquanto três deles saíram com as minhas duas colegas no carro insulfilmado de uma delas para sacar dinheiro em caixas eletrônicos, o outro ficou lá comigo.

Até aí me sentia seguro, os caras demonstraram muita segurança e não pareciam drogados nem tensos. Conheciam detalhes do funcionamento da clínica, tanto que sabiam que uma das meninas era também administradora e estava com o cartão da empresa; entregamos todo o dinheiro que havia em caixa e eles ainda embalaram alguns antibióticos, materiais e aparelhos que tinham valor de mercado. Quadrilha especializada, disse a polícia. Um deles se passou por cliente, fez orçamento e marcou o último horário de sexta. Comunicavam-se por rádio, eu fiquei como garantia de que elas não iam tentar nenhuma besteira; qualquer erro, eu pagaria com a vida. As regras estavam postas.

O “meu” bandido me levou para a sala de reuniões, era lá que a equipe se reunia e onde também eram filmadas as eventuais entrevistas; havia ali uma tela, data show, mesa ampla para cursos e palestras, estantes de madeira clara e fotos em preto e branco enquadradas nas paredes. Nunca mais voltei a entrar nesta sala. Para matar o tempo, o sujeito começou a brincar comigo: largou a arma numa das cadeiras anatômicas, girando o assento para fora da mesa. ― É tipo uma dança das cadeiras... ― disse, com aquela cara de nada.

― Um joguinho pra passar o tempo, doutor, presta atenção, ele tem três partes: a primeira parte se chama “jogo da gata-parida”. Como o senhor deve saber, as gatas prenhas precisam de um lugar seguro quando vão parir, elas buscam uma toca onde a ninhada fica escondida, precisam do melhor assento... como nós dois aqui... Doutor, doutor, o senhor não está me ouvindo...

Ele tinha razão, não conseguia tirar os olhos da arma sobre a poltrona giratória. Foi até lá, destravou a pistola e voltou a se afastar.

― Esta é uma ponto-três-oito-zero, automática, assim como deixei ela, é só pegar e apertar o gatilho, não tem erro: o senhor só precisa ser mais ligeiro que eu... ― afastou-se ainda mais e ficou numa das pontas da mesa me encarando. ― Mas vou ser justo e lhe avisar que nunca perdi neste jogo. Aqui, dentro do seu consultório, sou eu que tô na desvantagem da gata, não acha?...

Dei uma olhada para a minha barriga, tenho trinta e quatro anos, pratico tênis desde os dez; é verdade que uma barriguinha começa a despontar na minha silhueta, mas o fato é que me encontrava bem mais próximo da arma do que ele. Ninguém conseguiria ser tão rápido; avaliei que dava tempo de chegar à cadeira, empunhar o trabuco e dominar a situação. Dei um salto e catei a arma, que tremia na minha mão. Ele nem se mexeu. Não fiz exército, nunca tinha pegado uma arma de fogo de verdade na mão.

― Muito bem. Agora vem a segunda parte do jogo, chama-se “rato-ou-leão”; doutor, não adianta ter o poder, é preciso estar pronto pra usar... agora vamos saber o que senhor é... ― começou a caminhar, bem devagar, na minha direção.

― Pára aí, não quero atirar! ― me espantei ao me ouvir berrando. Não queria mesmo disparar, mas ele continuava a vir na minha direção, com ar de sonso. Mirei nas pernas: ― Click-click-click! ― Descarregada! O resto da cena passou-se numa velocidade inacreditável.

― Então é leão, né, seu rosca? Sabe o que me incomoda em gente que nem você? É que vocês não ouvem quando a gente fala, te disse que nunca perdi essa parada e não adiantou nada, né? Você nem quis saber como é se chamava a última parte do jogo, sabe como chama? Sabe ou não? ― ele me pegou pela gola da camisa junto com um tufo de cabelos, empurrou minha cabeça na mesa e encostou o cano de outra arma na minha têmpora enquanto berrava na minha orelha.

― Não, não sei... pelo amor de Deus, não atira!...

― Chama “tenho cara de otário, tenho”? Escuta aqui, acha que eu ia dar esse mole prum coxinha como você? Só você é que é esperto, é? Se as tuas amigas der vacilo, te queimo seu filha da puta!... morou?, entendeu agora quem está no comando aqui?

Anomia agonizante

Que a nossa vida não vale nada não é novidade, desde sempre "sabemos" disso. O problema é que a "nossa" morte essa sim continua "valendo" alguma coisa. Por exemplo, um indivíduo que não tem dinheiro está privado inclusive da morte.Imagine alguém que tenha uma doença qualquer e chega no hospital nas ultimas horas de vida.O médico pergunta à ele se tem plano de saúde.O homem miserável não tem plano de saúde, e o S.U.S não pode atendê-lo pois não tem condições.Temos aí um sujeito sem direito a morrer em paz, esse tipo de sujeito é descrito por Giorgio Agamben em seu livro Homo Sacer: Poder soberano e vida nua.Essa figura no direito romano adquire estatuto sagrado, pois pode ser morto por qualquer um a qualquer hora, exceto nos rituais religiosos. Essa aproximação que estou fazendo entre o sujeito excluído de todos os direitos, inclusive o de morrer, com o Homo Sacer é uma tentativa de mostrar como a lógica da exceção opera nos dias de hoje.Enquanto 20% do trabalho produtivo serve para sustentar 80% da produção social, temos 20% que são excluídos da própria exclusão, pois não encontrar emprego já é fato para 80% da população excluída pela própria dinâmica do capital que em si mesmo tenta eliminar o trabalho vivo, pois a própria automação da manufatura tenta enxugar postos de trabalho. Só que o excedente de trabalhadores deslocados das fábricas se deslocam para outro lugar, já que a fábrica não os comporta, assim vão em busca de outros lugares em que possam ser explorados, mas e se não houver esse outro lugar.Hoje um imigrante sai de "seu" país para simplesmente ser explorado em outro lugar, pois aí temos o efeito da alienação em seu estado mais puro onde servidão e escravatura são dois pólos da mesma moeda, de uma dialética imobilizada pela própria anomia contemporânea, que como já foi dito é agonizante.Aliás dialética essa que anda meio esquecida ultimamente pois é melhor esquecer aquilo que não conseguimos nomear.Longe de trazer o desespero de uma esquerda por vir é a incapacidade de saber que nos amedronta mais pois não sabemos o que não sabemos na fórmula já desgastada de Donald Rumsfeld que sem querer querendo usou seu inconsciente para designar o nome de seu maior inimigo, um inimigo sem rosto e nome como o Homo Sacer de Giorgio Agamben, Hannah Arendt e Slavoj Zizek.Sem mais torturar o meu leitor digo que não sei o que estou escrevendo pois preciso de um tratamento cognitivo, pois da psicanálise não preciso mais.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O meu desejo dói em mim e ninguém escuta a minha dor...

Uma vez disse a dona do meu coração que sem ele não poderia viver.Ela respondeu dizendo que tudo que eu sentia por ela não era amor e sim, o mais puro dos desejos. Eu que sempre a- amei disse que meu amor estava no fato de suportar a dor do meu desejo para continuar a desejá-la. E que aquilo que ela temia no meu desejo era limitado pelo próprio amor. Ela limitava meu amor e eu também pois o amor é o ato de limitar um desejo para que dois continuem se desejando.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Palavras,Palavras, ou simplesmente nada a declarar...

Antes que você comece a interrogar-me com o porquê de eu escrever esse monte de letras digo de antemão que não sei e nem quero saber de mais nada. Acho engraçado quando saiu por aí vendo aqueles que gostam de saber o que fazem já que meu esclarecimento não chegou a esse ponto e falo do esclarecimento do brasil, uma nação organizada que ao contrário do que dizem por aí vai de mau a pior. Pois o desemprego simplesmente não abaixa porque contrariando a expectativa de todos que dizem que o "povo quer trabalhar" de que lugar podemos ouvir tais enunciados. Possivelmente dos postos de comando formado pela classe dos "inteligentes" de sempre dentre eles podemos citar bolsistas do pró-Uni pedindo uma bolsa pelo amor de Deus, estudiosos da mais alta cultura como doutoras por aí .. E assim vai, sem demorar no texto posso dizer que vai tudo bem obrigado pois afinal de contas só cumprindo com as obrigações que tudo fica bem, continuo vendo mulheres pedir homens em casamento pois assim não precisam trabalhar, essas mesmas mulheres dizem que tem amor para dar, mas só liberam a porta dos fundos quando jorra grana ou cartão de crédito mesmo.
A novidade aqui é dentre outras coisas não sobra nada a não ser um bando de otário a me perguntar, o que você faz? eu simplesmente simulo que vou a faculdade gosto de enganar, dizendo que sei alguma coisa mas na verdade continuo trocando a verdade pela mentira pois afinal de contas não tenho escrúpulos, pois não sei onde se compra isso. Se você souber me ajude a comprar pois continuo sem dinheiro, só utilizando cartão de cheque sem fundo e um monte de cartões por aí, aliás vou utilizar o pouco tempo que me resta pois deus sempre morre no final..

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O Judeu, como aquilo que sempre resta

Fenômenos contemporâneos como o revisionismo do Holocausto, a equalização moral de todas as vítimas da Segunda Guerra Mundial(os alemães sofreram nos bombardeios feitos pelos russos e ingleses tanto quanto os judeus exterminados na Shoa), são resultado da lógica Européia de apagamento da história, ou seja, de sua própria memória, na tentativa de unificar-se.

Essa tentativa de tornar-se Um consigo mesmo segue a lógica de um Não-todo tornar-se um Todo fechado sobre si , ou seja, a superação de um antagonismo segundo a lógica de superação da modernidade para a pós-modernidade guiada pela lógica do Império. Desde Kant, Paz Imperial rima com Paz perpétua que por sua vez rima com Clausewitz às avessas na continuação da guerra como política do Estado de exceção permanente . Se raciocinarmos com Jean Claude Milner [Em seu livro: penchants criminels de l'Europe démocratique] de que essa virada histórica é a promessa da superação de um limite imposto pela Lei, ou seja, a promessa de parousia(sonho grego e cristão) de uma jouissance, livre de todos os obstáculos impostos pela tradição, compreenderemos que a matriz ideológica pós-moderna não é mais o cristianismo, mas sim a New Age neo-pagã que pretende superar a diferença sexual com a unificação de um corpo singular,da transposição da morte através da engenharia biotecnológica, da transformação do Hardware em Software, do Humano em pós -humano, em entes virtuais que podem migrar de uma incorporação temporária para outra. Eis as palavras de Milner:



Se a modernidade é definida por uma crença na realização ilimitada dos sonhos, nosso futuro está totalmente delineado. Ele passa pelo antijudaísmo teórico e prático absoluto.Para seguirmos Lacan para além do que ele afirmou de maneira explícita, os fundamentos de uma nova religião são assim postulados: o antijudaísmo será a religião natural da humanidade por vir.

Se o gozo para além da lei é impossível pois seria a própria lei o que engendraria o Desejo e sendo ele mesmo aquilo que gira em torno do objeto a (objeto causa) , não seria o judeu aquele que impede a Europa de constituir-se como tal ?E o judeu sendo aquele "fora-da-lei" dos imperativos do gozo neo-capitalista de sociedades "pós-industriais", aquele que impede que a Europa se integre? E não seria o próprio Estado de Israel a prova de que a Europa continua desejando livrar-se deles, e o apoio que Ela dá a causa palestina não seria a confirmação dessa lógica?

Os interessados na história do anti-semitismo podem recordar que Adolf Eichman e Feivel Polkes,membro da Haganá(organização secreta sionista),encontraram-se em Tel-Aviv em setembro de 1937 para discutir a emigração de judeus para a Palestina, ou seja tanto alemães como sionistas queriam a criação do Estado de Israel, os alemães com o objetivo de expulsá-los da Europa e os sionitas com o objetivo de fazer frente numérica aos árabes.Portanto a Faixa de Gaza representa mais do que um conflito entre árabes e judeus, esse conflito pode ser a base do antagonismo, mas outro antagonismo pode ser lido aqui. Entre a Europa e os Estados Unidos em relação a suas respectivas democracias, ou a disputa dentre quais das duas irá afirmar-se hegemonicamente.

Na democracia dos Estados Unidos, existe a maioria, mas ela não fala(maioria silenciosa) e, quando fala, torna-se uma forma particular de minoria.Nos Estados Unidos, a democracia é entendida como o campo da inter-relação entre agentes múltiplos, nenhum dos quais incorpora o Todo,ou seja, são todos "minoritários"; na Europa, a democracia refere-se, tradicionalmente,à regra do Povo-Uno. Entretanto, Milner tira daí uma conclusão elegante sobre o que acontece hoje: ao contrário dos Estados Unidos, que como sociedade é predominante "não-todo"- em sua economia, sua cultura, sua ideologia-, a Europa tem ido muito além no rumo de constituir-se muito mais como um Todo político ilimitado por meio do processo de unificação européia, no qual a espaço para todos , seja qual for sua origem geográfica ou cultural, inclusive para Chipre e Turquia.
Para designar esse "novo" estado de coisas, Étienne Balibar referiu-se à velha frase de Marx "Es gipt keinnen Staat in Europa-"Não há nenhum Estado na Europa". O antigo espectro do Leviatã, parasitando o Lebenwelt (mundo da vida) da social , totalizando-a de cima para baixo, é cada vez mais desgastado por duas vertentes. De um lado, existem as novas comunidades étnicas emergentes; embora algumas sejam formalmente contituídas como Estados soberanos,elas já não são propriamente Estados na acepção moderna do termo,uma vez que não cortaram o cordão umbilical entre o Estado e a comunidade étnica. (exemplar é o caso da Rússia, onde as máfias funcionam como espécie de estrutura paralela de poder).Por outro lado, existem os múltiplos vínculos transnacionais, desde o capital trans-nacional até os cartéis da máfia e as comunidades interestatais. Há duas razões para essa limitação da soberania estatal cada qual suficientemente marcante, por si só, para justificá-la: o caráter transnacional da crise ecológica e da ameaça nuclear. Essa erosão da autoridade estatal por ambos os lados mostra-se no fato de que, atualmente, o antagonismo político básico é o que ocorre entre a liberal-democracia "cosmopolita" universalista (representando a força que corrói o Estado de baixo para cima) e o "novo"populismo-comunitarista "orgânico"(representando a força que corrói o Estado de baixo para cima).

terça-feira, 6 de julho de 2010

Brasileiro Idiota, bem vindo ao deserto do Real!


A copa do mundo que acaba de acabar, para "nós" brasileiros, que gostamos de reconhecermos como tais, à guisa de mera reflexão histórica para os esquecidos de sempre gostaria de esclarecer alguns pontos, é que minha memória francesa precisa ser refrescada, que o esclarecimento em si já é uma forma de racismo daqueles que querem esbranquiçar o brasil, pois num país de idiotas onde dizer ao negro que ele é isso mesmo da até cadeia, sinto-me tentado até a ser mais-racista e dizer que os negros precisam de uma solução final, pois seu desejo é social de ser outra coisa, porque o rótulo precisa sempre ser trocado para você ser colocado a venda no mercado.. Para ganhar um salário de merda no Mc´Donalds.

Citando meu mestre Marx(morto a mais de cem anos, por isso cito ele mesmo, para não ter de me ver com a merda do direito autoral) que vocês não "sabem o que fazem" a não ser se forem esclarecidos, mais vocês não entendem nada disso porque o esclarecimento é aquilo que vocês procuram sempre porque afinal de contas é o famoso conhecimento que vocês querem comprado a preço de ouro no mercado negro, agora sim estamos no terreno do obscurantismo, mas disso vocês não entendem nada, é que minha memória alemã armazenada na Estante é o próprio Adorno nos incentivando a usar a imaginação, porque somente em um pais periférico como a Alemanha era o terreno propício para o desenvolvimento de uma cultura metafísica, herança esta que eu compro em qualquer livraria roubando o dinheiro do povo é claro que trabalha enquanto que eu escrevo esta merda de texto, tempo livre de engenheiro desempregado (Graças ao bom deus)procurando sem pedir licença um "trabalho" na indústria cultural brasileira.

Voltando o jogo para a política futebolística encenada nesse território que insistimos em chamar de nação, essa massa explorada que se espalha pelo nosso território esperando um bolsa família para poder comprar um cheese- burguer na loja citada a algumas linhas que o leitor esquecido merece ser novamente lembrado,exército esse uniformizado esperando para atacar os "companheiros" de cela presos a roda viva da vida que os espreme instintivamente a busca de algo para se alimentar esperando os chineses que a mando do partido vem para tirar do povo aquilo que nunca os pertenceu, dignidade e liberdade do espírito, com medo de entregar a boca toda preciso relembrar Ricardo Teixeira (Que Deus o tenha no paraíso que escolher, dentre eles ilhas Caimã, Suiça, entre outros pois afinal de contas o Deus de vocês continua generoso emprestando a juros extorsivos o" livre- arbítrio" enquanto o diabo continua ocupado amassando o pão para dar de comer ao povo), demitindo dunga e dizendo que os alemães são melhores por serem mais jovens, o dirigente esqueceu-se que também já está velho e nem por isso alguém tem poder para demiti-lo, sem mais, esperando por uma reviravolta nos assuntos internacionais espero que a terceira guerra mundial comece logo pois assim poderemos voltar a idade da pedra, época que aliás, nunca saímos e por isso mesmo não poderemos voltar...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A negação de um antagonismo que é inerente a estrutura

Durante o dia de hoje relembrei uma passagem de infância na qual estava sentado em uma sala de aula na quarta ou quinta série, não me recordo bem agora... O fato é que uma professora de história pediu para que eu lesse um trecho de um livro no qual contava-se a violência com que os portugueses invadiram "nosso território". Eu como sempre desavisado disse a professora que os homens são assim mesmo conquistadores de terras e de corpos, já imaginava que os portugueses estavam atrás eram das índias mesmo. A professora muito brava com meu comentário, disse que essa não era uma característica dos homens em si mas da humanidade. Hoje percebo que é isso que a ideologia tem de mais estranho nos dias pós-modernos.Percebam que as mulheres gostam de usar substantivos femininos, a humanidade, e os homens não entendem essa negação que é o de ocultar uma estrutura que seria a ponte de união de nossos seres...
A síntese é sempre feminina que eleva o antagonismo ao nível da universalidade abstrata enquanto que o antagonismo entre as classes(masculino e feminino), é a luta de classes que sempre concluíra o história.O antagonismo da luta de classes pode ser desconstruído ao modo de Derrida.Se o masculino luta para fazer-se reconhecido pelo pai, o pai sempre reconhece o futuro como porta voz de uma verdade que nunca é, sempre vem a ser ....

Para o pai, o filho nunca é algo, é sempre uma cifra a ser decifrada. E a resistência que a cifra tem

em ser decifrada é a prova do antagonismo sempre presente entre os homens, aqui podemos ver que a síntese entre ambos é sempre não-toda, enquanto que em uma relação que um homem tem com uma mulher é sempre toda para ser não-toda no que vem a ser, enquanto que entre mulheres é não-não-toda. Pois ela é toda na dupla negação de ambas..

Essa negação de uma estrutura é a matriz ideológica pós-moderna onde o 1 que separava o dentro e fora foi castrado, o fato de não termos uma meta-narrativa ou seja a uni-versão, é a produção própria ao fetiche-fantasmático da física quântica com seus multi-universos. Onde só podemos dizer como Morpheus a Neo( que é o sujeito pós-moderno, orbitando em torno de um real sempre ausente, ou seja no deserto do Real ) essa imagem de alguém que órbita em torno de si mesmo me faz lembrar Kant entorno do numeno como um cachorro querendo morder o próprio rabo, descrevendo uma imagem que é da própria dialética temporal, uma linha que curva-se sobre si mesma, fechando um ciclo histórico. Uma homenagem a todos que amam o saber, que só pode ser desejo e não objeto...

domingo, 4 de julho de 2010

Disperdiçando tudo



O indicador de aptidão é uma característica biológica que evolui de maneira específica para anunciar uma aptidão do animal. Não é uma função, como caçar, fabricar ferramentas ou socializar-se, que contribui diretamente para a aptidão, ele serve como uma espécie de metafunção. Instalam-se sobre outras adaptações, proclamando suas virtudes. Moram no espaço semiótico do simbolismo e da negociação estratégica, não no mundo da produção fabril. Isso indica que o desperdício prodigioso é característica necessária da corte sexual. Os pavões enquanto espécie, estariam muito melhor se não tivessem de gastar tanta energia para formar grandes caudas. Mas como machos e fêmeas individuais, têm incentivos irresistíveis para ter a maior cauda que puderem, ou escolher parceiros sexuais com a maior cauda que puderem atrair. Na natureza, o desperdício exibicionista é a única garantia de verdade para chamar a atenção.
É aí que encontramos capacidades desconcertantes, como a inteligência criativa e a linguagem complexa, que apresentam essas grandes diferenças individuais, essa hereditariedade ridiculamente alta e esse desperdício absurdo de tempo, energia e esforço. Quando vemos o cérebro humano como um conjunto de indicadores de aptidão sexualmente selecionados, seu custo elevado não é por acaso. É ele que importa. É o custo do cérebro que faz dele um bom indicador de aptidão. A seleção sexual tornou nosso cérebro desperdiçador a até disperdiçado;
Transformou um cérebro pequeno e eficiente no estilo dos macacos numa desvantagem imensa, faminta de energia, que vomita compotamentos de luxo, como conversa, música e arte.

sábado, 3 de julho de 2010

O SER QUE NÃO É


o Japão (que não pára de matar baleias)
já é

não se pode ser o que não
se é
afinal o ser é
e o não-ser
não-é

na África
o melhor de Deus ainda está
por vir
mas Deus não gosta de jogar
(dados)
sem ironia

qualquer um
pode se tornar qualquer coisa
que desejar
ninguém
pode ser aquilo que não
é

eviva
o pícaro lúdico Loco Abreu
última flor da panamérica
latino-africana-louca-índia
que ainda pode ser tanta coisa
mas
que não pode ser o
que não é

evai a Alemanha
multicolor
que mata a Jabulani mansinha
e joga uma bola redonda
no pé

Ciência com consciência


István Mészáros no início de sua obra "A teoria da Alienação em Marx", afirma que sua crítica não é meramente conceitual nem subjetiva de um problema tão real e gigantesco como a alienação. Sua abordagem é bem outra. Vejamos:

Marx esboça nos manuscritos de Paris as principais características de uma nova "ciência humana" revolucionária. Por ele contraposta à universalidade alienada da filosofia abstrata, de um lado, e à fragmentação e à parcialidade reificadas da "ciência natural", de outro - do ponto de vista de uma grande idéia sintetizadora:"a alienação do trabalho" como a raiz causal de todo o complexo de alienações.

Não se pode construir uma casa sem pregos e sem tábuas. Se você não quer que uma casa seja construída, esconda os pregos e as tábuas. - Ray bradbury, Fahrenheit 451.

A motivação de mészarós é reencontrar e afirmar o sentido concreto e histórico da totalidade-unidade dialética-, através dos estudos do "Jovem Marx" e do "Velho Marx". A tese de mészáros é que essa mistificação apologética- oficializada por Stalin - Em torno da obra de Marx, nada mais é do que uma forma que o poder tem de se afirmar e se desconhecer através de seu próprio trabalho.

Ou seja, a elevação da filosofia ao reino das "abstrações" e a ciência ao domínio das "praticidades" já não é o gesto elementar da mistificação? Se tudo o que conhecemos como a centralização da produção, ou seja, a identificação que o trabalhador tem com aquilo que o mantém preso ao processo de mais-trabalhar e não reconhecer o produto do seu trabalho, quando se vende a força no processo produtivo, ao invés do produto, para alguém que se apropriará de um excedente que acumula-se longe da esfera produtiva, o que seria da ciência moderna na qual o pesquisador
vende o resultado de suas pesquisas para o significado dela ser gerado em outro registro? Já não estaríamos de novo na função do discurso da ciência que é produzir um sentido para algo que está fora de si ? E a navalha universitária revela de novo sua função produtiva primeiro mantém- se um pressuposto, para através de um exercício, chegar ao fechamento de um sentido que confirma esse pressuposto. Mas, e se o problema estiver justamente na afirmação de um pressuposto?O que que temos de imagem para que o pressuposto possa ser afirmado como tal?
Isso não se sabe, pois o ato de pressupor tem como pressuposto que temos o poder de fazer um julgamento a priori, ou seja, que a consciência tem o poder de postular algo para si. Mas isso já não é o pressuposto? Pois os dados que organizam nossa consciência são algo que a própria consciência não pode nos dar, seria como se a própria lei pudesse criar dispositivos para a execução dela mesma. É aceito que o ato de instaurar uma lei vem de uma violência exterior a ela própria.Então não seria toda a produção científica algo que necessariamente deve desconhecer para conhecer? Ou que seu desconhecimento é um pressuposto para o conhecimento. E aquele que desconhece seu próprio desconhecimento? Melhor nem pensar.