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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

os culpáveis (1)




            Ou seja, bem feitas as contas, na real mesmo à vera, as coisas são sempre mais parecidas que complicadas, é como aquele caso da faxineira presa por roubar um bombom trufado da mesa do delegado, toda história tem pelo menos dois lados: o da trufa e o de fora, pois bem, na cobertura de chocolate da minha vida corria a parada com o jornalista americano que fazia surf no sofá do meu honorável muquifo, mais sofá do que surf é verdade, mas ainda assim era um contato internacional, um cara com coluna fixa na Transmetropolitan, “a” revista cybermod dos isteites, pouca merda não é, convenhamos, nem pouco peso: Uzodima Iweala é, ou era, um afroamericano de trocentos quilos, do quais uns cinqüenta só em dreads dourados escorrendo da cabeça oval, infalivelmente vestido como um babalorixá do Malaui e responsável pela quebra da minha cama um ano antes quando veio cobrir a Copa das Copas, vou morrer achando que o enrosco da faxineira seria bem menor se não fosse a trufa.
            Vamos tentar organizar a quizumba, já perdi a conta dos editores que surtaram tentando organizar a diarréia hegeliana de orações subordinadas nos textos com distúrbio de atenção que me sustentam no nível do Bolsa Família (tenho (tinha) um frila sem nota, razoavelmente fixo, numa revista de viagens, mas isso não vem ao caso agora), pause, volta o filme: cinco minutos antes o telefone de casa tocou, pânico, vertigem, procrastinação, quem ainda liga pra fixo neste planeta?, só telemarketing, agiota, ou parente com notícia de morte, quem na família estava no bico do corvo?, bem, tenho uma tia em no interior com erisipela ― dá pra morrer de erisipela?, antes de conseguir dar um googlada, o telefone tocou pela vigésima vez e então achei que três da tarde de um sábado é uma hora como outra qualquer pra alguém te acordar e foder seu dia, o partido do autoengano no meu pensamento nublado insistia em apostar numa ex que apagou meu contato, esqueceu o quanto me odiava e acontecia estar precisando desesperadamente de um pau amigo.
            ― Hello, sou eu, Uzodima. Tava cagando, yo?
            ― Fala, grande Uzo, isso é hora de quase me matar do coração? Já tava vendo minha tia morta em Araras...
            ― Arrarras? Tia morta? What a fuck... cheirando de novo, bro?
            ― Esquece, a fita é longa, ningué morre de erisipela, mas fala, cara, que horas são aí agora?
            ― Doze minutos... passado três PM.
            ― Puxa, a hora daí tá que nem aqui: quinze e pouco.
            ― Claro, porra, estou em frente seu prédio!
            ― Caraca, mano, não me avisou por quê?
            ― Porque você não responde cell phone ou e-mail.
            Uzo tinha razão, passei as últimas semanas evitando o mundo depois de assinar a reportagem de uma das muitas viagens que nunca fiz, numa barriga em que não fui o menor dos Inocêncios, novo organizador dos fatos: a edição especial sobre o Tahiti da revista Trips and Travels ostentou uma deliciosa crônica nas areias brancas e águas azul turquesa de... Turks and Caicos, grande merda, Caribe, Polinésia, quantas pessoas neste país sabem a diferença?, os caras não me pagam nem uma diária na Cidade Ossian e ainda querem que eu ache inspiração no Parque da Luz pra escrever sobre lugares estilosos munido de encartes coloridos e prazos exíguos, acabou que grana não vi e os caras só não me demitiram porque nem contrato havia, vida de pejota é andar no arame, camelar o perrengue pra sempre, computando os prejuízos dei por perdida a verba do aluguel (já atrasado em 3 meses) e a pensão da ex (também atrasada), ou melhor, da minha filha Ava, com ela me entendo numa ida ao zoológico, mas a mãe não vai perder a chance de me mandar pruma cadeia onde um bando de meliantes faria o seu melhor pra transformar meu reto num cano de 3 polegadas, como são as coisas: as vigas mestras da maçonaria da minha existência ameaçavam desabar, e, de repente, vindo do Norte maravilha, lá estava a solução dos meus problemas: um gringo recheado das doletas que me faltavam, trabalho e liberdade, isso é a América, e também o lema de Auschwitz, acho, vou dar uma googlada.

            

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