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domingo, 8 de janeiro de 2012

em 10 suaves prestações (segunda parte)


Eles se comunicavam via rádio o tempo todo; acredito que o bando devia ter uns cinco integrantes, os dois que estavam comigo no carro e mais três, talvez em motocicletas, fazendo a ‘limpa’ nos caixas eletrônicos das agências bancárias da Heitor Penteado.
― Aí, madame, tá tudo liso: deu pra sacar tudinho com seus cartões até o limite...
― Agora vocês vão me soltar?...
― Puta mina chata! Não sabe ficar na sua, é? Essas burguesinha são tudo cheia de querer ser...
― Então, dona, agora vem a parte dois: pra nóis te soltar, antes os nossos bróders vão ter que ‘fazer’ alguém em outro carro... Depois que a gente te deixar, troca, e nóis que vamo pra correria dos caixas, copiou?
Tudo somado e subtraído, aquela foi uma pequena visão de conjunto do modus operandi do florescente negócio dos seqüestros-relâmpago: sai uma, entra outra. Eles preferem as mulheres. São menos propensas a reagir violentamente; embora às vezes possam se comportar de maneira irracional, como o bandido de camiseta fez questão de me explicar. A desfaçatez era tamanha que me permitiram conhecer um aspecto do, digamos assim, fluxograma da empresa de aluguel de carros e empréstimos compulsórios que eles geriam.
Reduzida à condição de menininha assustada, experimentava agora uma sucessão de sentimentos perturbadores: em primeiro lugar, sentia-me reassegurada e quase feliz por estar nas mãos de uma organização tão sólida; eles aparentavam total segurança e destemor na execução da tarefa que se propunham. Mas o pior, o mais odioso, foi descobrir-me torcendo para que eles ‘fizessem’ um outro carro o quanto antes e me liberassem como prometido.
Lembro perfeitamente o quanto temi que a polícia frustrasse qualquer etapa da operação. Nas minhas piores fantasias ouvia um tiroteio estourando acima da minha cabeça e os meus captores fazendo de mim escudo humano contra as balas da lei.
― Mas que porra?... alô, alô, que merda que esse zé-ruela tá fazendo, alô?...
― Calma, caralho, diz pra mim, cê tá vendo ele? E o quê, como?, tá conversando dentro da agência?!
― É o cu da cobra, mano, vai vendo essa fita!
Havia algum problema. Entrei em pânico; agora os dois tinham me esquecido completamente, falavam ao mesmo tempo entre si e com os outros no nextel aos berros. Estavam muito nervosos, o carro andava mais rápido e com mais solavancos e freadas. Tive medo que um acidente piorasse tudo de vez.
Pelo que entendi, um dos comparsas da equipe externa tinha sido reconhecido numa agência pela tia dele e não conseguia se desvencilhar da senhora de modo a voltar para o ponto de encontro. Acabaram por desistir dele. E de mim.
Fui largada numa rua próxima ao CEAGESP, uma região que é uma espécie de mini-cracolândia composta de carroceiros, catadores de papelão e latinhas, e moradores de rua. Deixaram-me a bolsa, mas sem a chave do carro e o telefone; o da camisa social mandou que eu aguardasse vinte minutos agachada antes de sair do meu nicho na parte de trás do carro. Quatro e meia da tarde.
Neste ponto termina a parte Tarantino desta história Estava para começar a parte Kafka.

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