Seguidores

domingo, 16 de dezembro de 2012

o cobrador de promessas (final)



― Irmãozinho, de boa, cê tá me zoando? Que porra é essa... nunca ouvi falar que isso existia, Fala logo o que quer de mim e cada um segue seu caminho, firmeza? ― Cyonil percebeu irritado que não conseguia desgrudar os olhos de uma mancha rosada no pescoço do tal cobrador.
― Pois então, você achou que esta hora não ia chegar: instalou “gato” de TV a cabo, comeu as donas de casa que lhe abriram as portas de casa e as pernas, aproveitou pra abafar umas coisinhas delas certo de que não iam te denunciar por vergonha, e ainda quer sair dessa sem pagar nada... é muita cara de pau, mano! Cumpre o que prometeu um dia, lá atrás quando tudo começou, e nunca mais você vai me ver...
― Mas... se eu não sei nem do que você está falando, vou pagar como? ― a conversa ia ficando perigosa pra ele; talvez o carinha fosse da empresa de telefonia, pensou aflito.
― Sossega rapaz, não sou da ‘firma’ não, minha instância é outra... ― pausou, aguardando o pasmo do moço com a verbalização do seu pensamento e voltou à carga ― Vou te dar um auxílio-memória, já que tu esquece tão facilmente certas paradas: você era um garoto, dezessete anos, a tua mina engravidou, você pediu pra ela abortar, daí, ela sumiu... coisa de uns dois anos, ela te mandou um e-mail, você tinha uma filha de treze anos, uma garota que só queria conhecer seu pai... e você, nada, recusou contato; tá lembrado agora?...
― Pô cara, cê tá me deixando mais pra baixo que cu de cobra...
― Mas não acaba aí, você prometeu a si mesmo que ia dar um presente de quinze anos pra essa menina, ia dar todos esses bagulhos roubados durante anos de vida bandida, foi ou não foi?...
― Chega! ― esmurrou a mesa, todo o bar fez silêncio esperando rebentar a treta. Cyonil se acalmou, esperou as atenções se dispersarem novamente. ― Desembucha mano, que é que eu tenho que fazer?
― Ora, ora... até que enfim... então, meu camarada, que tal fazer uma coisa até o fim? Uma só na vida...
― Você não tá entendendo o meu lado... casei de novo, hoje tenho uma família, filhos pequenos pra criar... minha mulher não sabe de nada disso, não posso, cara.
― Seguinte: não tô aqui pra julgar ninguém, nem pra entender os seus motivos, o que está feito, está feito; o que não pode é ficar uma promessa sem pagamento, até porque o que você pediu foi entregue...
― Bela roba! Quanta promessa que neguinho faz neste mundo e não paga, só eu que tenho de me foder por isso?
― Ah não, isso te garanto que não! ― assumiu um ar de extrema seriedade ― No meu departamento não tem arreglo nem presepada, te garanto; você pediu impunidade, obteve, fez e desfez e nunca houve sequer uma queixa... você nem imagina as mentiras que aquelas mulheres que você papou tiveram que contar para explicar o sumiço dos objetos roubados... É, você se incomoda quando falo em roubo, né?, mas a palavra é essa mesma: rou-ba-do...
― E daí? Um erro vai corrigir com outro? Dar o que não é meu para uma filha que não é minha...
― Isso mesmo.
― Quem é você?... de verdade, eu quero dizer...
― Sou isso mesmo que você acabou de dizer: um servidor que tenta fazer um acerto a partir de dois erros...
― Nada feito, cara. Simplesmente não posso.
― Bem, se é assim...
O sujeito levantou-se da mesa, foi até o caixa e pagou a conta. Saiu do boteco e virou à esquerda na rua sem olhar para trás. Mal havia desaparecido do campo visual, parou uma moto na calçada em frente. Os dois homens desceram da moto sem tirar os capacetes e entraram no bar. Não disseram uma palavra, apenas descarregaram os revólveres a esmo.

Nenhum comentário: